O sacrifício da classe indesejada




Uma imagem me chamou a atenção na manhã de quarta-feira, do dia 15 de abril, agentes da SuperVia, concessionária do transporte ferroviário do Rio de Janeiro, foram flagrados agredindo passageiros na estação de Madureira, no subúrbio do Rio. Uma espécie de chicote foi utilizada, para conter um tumulto nas portas do trem.
Segundo informações iniciais, as pessoas agredidas estavam impedindo que as portas das composições se fechassem.
Essa matéria está sendo transmitida em todos os veículos de comunicação, já sabemos que os funcionários envolvidos foram demitidos e indiciados pelos crimes de lesão corporal e constrangimento ilegal.
De acordo com a concessionária, eles se "excederam" na estação de Madureira.
Enfim, ainda digerindo essa história (mais um caso assombroso, que temos que conviver), e assistindo o Programa do Jô, para me divertir um pouquinho, quarta feira é o dia das “Meninas do Jô”, quatro jornalistas que vão para o estúdio debater política e economia, e sem querer ser feminista, porém já sendo corporativista, gosto das “Meninas do Jô”, vejo então, o apresentador desabafando sua indignação e fazendo uma analogia das cenas da reportagem com as do filme “A lista de Schindler” e o universo do Holocausto.
Só para explicar, a palavra holocausto tem origens remotas em sacrifícios e rituais religiosos da Antigüidade, em que plantas e animais (até mesmo seres humanos), eram oferecidos às divindades, sendo completamente queimados durante o ritual.
A partir do século XIX, a palavra holocausto passou a designar grandes catástrofes e massacres até que após a Segunda Guerra Mundial o termo Holocausto (com inicial maiúscula) foi utilizado especificamente para se referir ao extermínio de milhões de pessoas que faziam parte de “grupos considerados indesejados” pelo regime nazista de Adolf Hitler.
A política anti-semita do nazismo visou especialmente os judeus, mas não poupou também ciganos, negros, homossexuais, comunistas, deficientes motores, doentes mentais...
Para os nazistas, aqueles que não possuíam sangue ariano, “o sangue puro”, “superior” não deveriam ser tratados como seres humanos.
Achei genial, essa observação do Jô Soares, comparar as plataformas e os nossos trens superlotados a campos de concentração! Posso até visualizar, com a minha imaginação fértil, os comboios ferroviários de janelas minúsculas, abarrotados de judeus, com sede, fome e frio (o que provocava a morte de muitos durante o transporte), as câmaras de gases tóxicos...
A greve dos maquinistas só piora uma situação que é vivida diariamente pela população de baixa renda, já que os intervalos entre os trens aumentaram, devido à paralisação.
Se isso, ainda não chega a ser um “recordar é viver” do Holocausto, no mínimo me faz lembrar o que estudei sobre o “AI5”, decretado em dezembro de 1968. Pareceu-me esse fantasma do passado, quando os militares detinham todo o poder, e se faziam valer dele muito bem, violentamente, e o povo vivia numa ditadura, cuja fase mais violenta e repressiva estendeu-se até 1974.
A juventude, como a “classe operária” protagonizaram importantes lutas contra a repressão.
Não estou aqui, para apontar um culpado e um coitadinho, nem levantar o conceito de “mocinhos e vilões”. É evidente que atacar passageiros não está certo, é inadmissível. É povo agredindo povo, pobre batendo em pobre, mas atento para uma situação mais delicada, a crise na administração político-social, fato que sempre vou martelar em cima, que para mim, é o cerne de toda essa desordem.
Minha intenção nesse texto é tão somente criar reflexão, é fazê-los apenas pensar, instigá-los, baseando-me na História. A partir disso, já estamos fazendo alguma coisa...

É... Realmente eles se excederam, conforme afirmou a Concessionária... É... Parece que os ânimos estão exaltados...


Cadeia é lugar de quem?

Há vários anos assistimos na televisão, lemos em jornais e revistas e ouvimos pelas rádios pronunciamentos clamando contra a impunidade. Eles compõem um discurso de vingança que depende de uma comoção gerada por uma particular infração. Apesar de muitas mortes cruéis passarem pelos noticiários diários, sabe-se que seu número é muito maior e que elas habitam a vida cotidiana de pessoas que vivem dentro das situações de violência e pobreza. Os cruéis desfechos de seqüestros, assaltos e mortes envolvendo os setores mais abastados da sociedade, entretanto, nunca deixaram de ser noticiados com estardalhaços. A autoria particular de um ato violento se transforma em instantes numa necessidade universal de mais punição, porém, que tipo e punição? As que temos atualmente, que torna o indivíduo mais revoltado, a que não regenera? A que pune somente pobres e negros? Devemos rever nossos conceitos.
Uma das maiores discussões é o sistema prisional adotado no Brasil. Várias são as opiniões apostadas: Reforma carcerária, prisões agrícolas, trabalho para os detentos dentro das penitenciárias, porém a nossa justiça ainda anda a passos lentos, é cega para os efeitos do capitalismo, e os da desigualdade social.
Se no passado as exigências de justiça traziam camufladas, envergonhadas, e covardemente, a imposição de pena de morte e prisão perpétua, agora, não há mais disfarces. A ira hoje é explícita. O que devemos discutir é se estamos punindo as pessoas certas e aplicando as sentenças adequadas.
A justiça penal existe, é morosa e não dá conta de todas as infrações cometidas. O sistema penal atua por seletividade sócio-econômica em defesa da propriedade. Por isso, prisões, delegacias, FEBEM e similares permanecerão repletas de pobres e miseráveis. Infelizmente essa é uma realidade.

Enquanto aceitarmos a política de caridade, os “Bolsas famílias” o voto em troca de prato de comida, as ilusões... Iremos nos deparar dia a dia com um menor de idade tentando roubar nossas bolsas, carros, casas, portando armas e nos ameaçando.

Somos responsáveis por nossa sociedade que está doente, e vítimas por não conseguirmos sair da inércia e modificar essa realidade, que interessa a poucos, que se beneficiam com a miséria e a ignorância alheia e agride a muitos que vêm tentando se adaptar ao meio, com grades em casas, cadeados em portões, cercas elétricas, insulfilmes em carros, alarmes, segredos... E assim perdendo o que há de maior valor na vida, a liberdade, a coisa mais importante, que determina a nossa integridade moral.
Nós é que somos os verdadeiros prisioneiros, nós que trabalhamos e pagamos impostos. Ficamos nesse fogo cruzado, em meio a uma polícia desacreditada, mal remunerada e desestruturada e a uma população à margem, que já não rouba mais para saciar sua fome ou a de um filho, mas que comete crimes bárbaros, por absoluto desprovimento de perspectiva de vida, e total banalização da violência.
Fala-se tanto em “uma outra realidade”, em “um mundo paralelo”, "a realidade do morro e a do asfalto", e todas essas bobagens, para glamourizar a miséria e violência. A realidade é uma só: Vivemos numa guerra, em que “os muros” que separam as diferenças sociais já foram derrubados há tempos, não dá mais para sermos omissos e fingirmos que não estamos vendo as mazelas do reflexo da nossa sociedade desigual. O morro está descendo e invadindo as ruas.
Fechamos os olhos para o que está em nossa frente, nas esquinas, embaixo das marquises, nos sinais de trânsito, na chuva, no sol... Porque assim não nos incomodamos, não agredimos nossa visão, nos sentimos menos culpados. Somos tão ocupados, que não olhamos para quem está ao nosso lado.
Descendentes de uma mesma sociedade de consumo que renega e esquece seus filhos menos abastados, deixando que eles cresçam e sobrevivam por si só. Consequentemente, assim virarão números, saldos, estimativas, votos nas periferias e em Zonas Rurais, números de mortos em favelas, números de presos, e assim por diante.

Quando não somos ninguém para a sociedade, a não ser em época de eleição, nos tornamos números para a mesma. Assim sendo, aumenta a quantidade de negros, pobres e nordestinos que enchem as favelas e superlotam os presídios.

Curiosidade:

Uma pesquisa feita pelo Delegado Orlando Zaccone, no ano de 2002, para a sua tese de Doutorado, na época, titular da 19ª DP na Tijuca, hoje Delegado titular da 52 ª DP, em Nova Iguaçu, onde desenvolve um projeto sócio- cultural na sua carceragem, revela um dado intrigante: a polícia lavrou 584 flagrantes de tráfico de drogas em Bangu, Jacarepaguá,Engenho Novo, Campo Grande, Santa Cruz, e Bonsucesso. Já em Ipanema, Copacabana, Leblon e Barra da Tijuca, foram apenas 79. Nas duas áreas o número de delegacias é o mesmo, seis, mas o de brancos com dinheiro para suborno, não.
“O número de flagrantes por tráfico no subúrbio é muito maior do que na Zona Sul. Se for analisada a estatística como um dado que revela a criminalidade, chega-se a conclusão de que, em toda a Zona Sul e Barra da Tijuca, circulam metade da droga que circula em Bangu, mas isso não é uma realidade”, declarou Zaccone em entrevista para o Jornal do Brasil.



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Qual é a razão dos nossos desejos?



A sociedade moderna capitalista cria todos os dias, um conjunto de necessidades. E nos ensina que a vida não vale a pena ser vivida, a não ser que estas necessidades sejam satisfeitas.
O capitalismo conseguiu surgir, manter-se, desenvolver-se, estabilizar-se colocando no centro de tudo as necessidades econômicas.
Somos diariamente invadidos por sucessões de informações, umas atrás das outras, as quais recebemos passivamente, e antes que nos dêem tempo de assimilarmos, já estamos recebendo outra. É a lei do maior número, no prazo mais breve e com o lucro mais alto, mas nem sempre com a melhor qualidade. Essas representações devem durar pouco, ou só enquanto dermos mostras de consumirmos com agrado. Cumprida a fase de digestão amena, torna-se imperiosa a substituição. É o sempre novo, embora não o sempre original.
Tão notável multiplicidade produz, às vezes, aparências de caos. Caos que se institui com o nosso capitalismo selvagem, que se revela opulento e esquálido, e que nos remete a uma sociedade consumista, que cria cada dia necessidades novas para seus membros, os quais muitas vezes, não têm condições de supri-las. Se esquecem, que o que está em jogo, hoje nesse cenário de guerras e misérias, é a concepção da relação da humanidade com o mundo, e da humanidade entre si. E a questão central e eterna: Qual é o sentido da vida?
Para estas questões, e outras que possam surgir, já existe uma resposta, a resposta capitalista: Atingir o saber, a verdade e obtermos mais dinheiro, para assim possuirmos mais coisas.
Por que queremos ter tantas coisas? É nessa questão, que entram as necessidades em confronto com os nossos desejos, que numa visão psicológica, eles (os desejos) muitas vezes existem para saciarmos e amenizarmos alguma carência, servindo como um placebo para um problema emocional mal resolvido, mascarado e escondido nas profundezas de nosso inconsciente. A mídia ganha mais poder então, com as nossas suscetibilidades, invadindo nossas residências e nos vendendo o “paraíso”, os melhores carros, as mulheres mais bonitas, os homens mais charmosos e etc... Só servimos para o mundo se podemos ser consumidores.
Quando nos descolamos desse ângulo de espectadores atônitos, para o de analistas e intérpretes, ou melhor, ainda, para o de criadores de cultura, entrevemos, em meio ao labirinto de vozes e imagens, algumas linhas, alguns caminhos, que perseguidos até o fim, levam a estruturas sociais diferenciadas, que devem ser plurais, mas não caóticas!
Não nos importamos mais com as necessidades naturais do ser humano, essas não dão o lucro que o sistema quer, então criamos nossas necessidades, e o ocidente diferente da sociedade oriental muçulmana, cria diversos tipos, que se substituem a cada momento. Um muçulmano ou um hindu deixará de lado o dinheiro que ganhou para fazer uma peregrinação à Meca, ou a algum templo nas montanhas, para ele trata-se de uma “necessidade”. O mesmo não é, para um indivíduo fabricado pela cultura capitalista, esta peregrinação é uma superstição ou uma fantasia. Para esse indivíduo, porém, não é uma superstição ou fantasia, e sim uma “necessidade” absoluta, ter um carro, ou mudar de carro a cada ano, ter um DVD, um apartamento novo...
Devemos lembrar que nós brasileiros, vivemos numa sociedade em crise, pobre, que só mudou de colonizador, mas que ainda em pleno século XXI, se mantém colonizada. Que absorve essas idéias, mas que em grande maioria, não consegue consumi-las. Então entramos em crise, conosco e com o mundo, numa luta incansável e frustrante, para nos sentirmos incluídos nessa sociedade insaciável por luxos e enlatados, miserável e doente, injusta com o seu povo, principalmente com os menos afortunados.
Hoje caminhamos para o desenraizamento cultural, resultado de todas essas conquistas coloniais, desde a nossa “descoberta”, até o nosso atual “American way of life” alienado e alienante. Somos cópias, reproduções em série, e consumimos cópias e reproduções em série, nos aprisionando numa padronização.
O que esquecemos, é que para saciarmos os nossos desejos, primeiro temos que ter as nossas necessidades naturais saciadas.